COMPOSITORES JUDEUS


Compositores judeus e Holocausto

“Holocausto” é uma palavra que remonta ao grego e que está associada, desde sempre, a algum tipo de catástrofe (é pois, assim, que vem descrito no livro sagrado judeu, o Torah). Hoje, conhecemo-la como referência ao massacre judeu (bem como aos homossexuais, aos deficientes, aos negros, aos romenos, polacos, húngaros, comunistas) levado a cabo pelo partido Nazi, dirigido por Adolf Hitler.
O partido Nazi foi criado em 1920 e aparece como oposição às revoltas comunistas que proliferavam numa Alemanha degradada e destruída pela I Guerra Mundial, de onde tinha saído uma inegável perdedora, tendo perdido todo o poder económico, político e militar. As ideias nazis giravam em volta de uma negação dos grandes burgueses e dos grandes negócios bem como do capitalismo. Em 1930, já com Adolf Hitler à cabeça do partido, as eleições foram disputadas e o partido Nazi quase ganhou. Uma das propostas eleitorais foi a declaração de que caso ganhassem, iriam acabar com toda a “arte degenerativa” que estava a ser feita. Esta chamada “arte degenerativa” era, na música, o jazz e o expressionismo musical. O jazz era rejeitado por ter origens africanas e por grande parte dos músicos serem de origem judaica; o expressionismo musical por negar o sistema tonal e a linguagem mais classicizante onde os alemães tinham sido os melhores dos melhores.
Entre 1930 e 1933 assiste-se a uma emigração em massa para os EUA por parte destes músicos que começavam a sentir-se perseguidos. Por sua vez, os compositores de música expressionista foram mais pacientes e a sua saída massiva começou a registar-se apenas em 1933 com a subida de Hitler ao poder. Naturalmente que o ditador fascista se encarregou de banir todo e qualquer tipo de música que fugisse à música alemã mais tradicional e conservadora que tanto apreciava e que até levou até aos campos de concentração onde apenas se tocava Wagner!
Foram, pois, alguns os compositores judeus que fugiram a esta enorme repressão mas, que, nem por isso, deixaram para trás o seu orgulho religioso. Será, então, aqui oportuno falar da condição social da maioria dos compositores que, não sendo riquíssimos, tinham uma boa condição de vida. Foi esta mesma condição que permitiu à grande maioria uma fuga antes de serem perseguidos pelos Nazis e foi esta que não os condenou à morte.

Arnold Schoenberg

Comecemos por Schoenberg, um dos mais emblemáticos compositores judeus. Austríaco nascido em 1874, participou na I Guerra Mundial, tal como muitos judeus. Esta referência, à partida insignificante, é uma importante mostra do patriotismo que muitos judeus tinham. Schoenberg foi voluntário e como ele, muitos judeus lutaram e morreram pela Alemanha, pela Áustria onde anos mais tarde foram considerados “uns bichos abaixo de qualquer espécie animal”.
Schoenberg está associado ao movimento expressionista alemão e foi líder da Segunda Escola de Viena. Foi pioneiro no atonalismo e na técnica dos 12 tons – o dodecafonismo. Foram então, estas técnicas que levaram a que a sua música fosse considerada degenerativa por parte do Regime Nazi e que, em 1934, um ano depois da subida de Hitler ao poder, o compositor partisse de França (onde passava uma temporada de férias) para os Estados Unidos onde continuou a poder livremente professar a sua religião. Foi também por esta altura que a sua relação com Kandisnky terminou, precisamente por causa do anti-semitismo do pintor que teve uma ligação ténue ao partido Nazi, sendo apoiante da maioria das ideias[1].
Schoenberg, no meio do vasto repertório que escreveu deixou-nos obras de influência judaica das quais deixamos aqui duas das mais emblemáticas.
 “Kol Nidre” é uma parte da missa que é recitada nas sinagogas antes das festividades do Yom Kipur (uma festividade judaica em que o valor da alma é elevado, através de 25 horas de jejum e reza intensa em que não se pode ter acesso a nenhum prazer). Schoenberg escreveu esta peça depois de emigrar, entre 1934 e 1936 como forma de reafirmar os seus votos judaicos. http://www.youtube.com/watch?v=nwO4XLMGqw4~

“Um sobrevivente de Varsóvia” conta a história de um judeu que viveu no gueto de Varsóvia e que acabou por sobreviver ao Holocausto. Schoenberg escreveu-a em 1947 e é um impressionante relato das marcas da guerra. http://www.youtube.com/watch?v=VuP0SExoojQ

Darius Milhaud

Compositor francês do grupos dos Le Six, estudou e lecionou em Paris e, só em 1939 (aquando do início da guerra) abandonou o país para América. Paris foi invadido pelos nazis em 1940 mas, tempos antes, precisamente quando o compositor emigrou, começou a ouvir-se rumores sobre esta mesma invasão. Antes da evacuação em massa e “às claras” de judeus para os campos de morte (que começou em 1942), ainda havia alguns meios de informação para judeus na Europa, fora da Alemanha onde a perseguição a judeus era já cerrada. Nos Estados Unidos, Milhaud tornou-se um famoso compositor e professor, tendo dado aulas em vários Estados do país. Mesmo depois da libertação teve receio em voltar a Paris mas acabou por ir à cidade sazonalmente para dar aulas no Conservatório de música.
Em 1922, Milhaud viajou até aos EUA onde ouviu jazz e sentiu-se tentado a experimentar. Foi ainda nessa ano que escreveu uma das suas mais emblemáticas peças, La creation du Monde, de que deixamos aqui registo (a peça, original, é um ballet com seis cenas contíguas e aqui deixamos apenas a suite, ou seja, a parte musical). 
http://www.youtube.com/watch?v=NwwT0BX2zBs

Berthold Goldschmidt

Compositor judeu, nascido na Alemanha e que passou a maior parte da sua vida em Inglaterra. Tendo começado a sua carreira na República de Weimar (criada depois da derrota alemã da I Guerra mundial e, diz-se, uma das fontes de ódio[2] que levou a que Hitler implementasse o totalitarismo). Um dos seus maiores sucessos enquanto compositor foi conseguido com a ópera Dee Gewaltige Hahnrei in Mannheim, escrita em 1932 (http://www.youtube.com/watch?v=fDDMZsmDDck). Esta obra, mostrava um pouco da nova era musical que, como já vimos, era odiada pelo novo poder Nazi. Deste modo, Goldschmidt foi proibido de compor e podia, apenas, dar aulas de piano de um modo bastante limitado. Assim, seguindo a tendência, em 1935 acaba por emigrar para Inglaterra onde viu o seu trabalho reconhecido tendo, contudo, passado por uma fase mais clássica antes de voltar ao atonalismo.

Na guerra

O plano de reeducação dos campos de concentração estava extremamente bem arquitetado. A ideia, diziam os nazis, era reeducar e ensinar os povos que nasceram mais fracos a conhecerem e a integrarem-se na cultura do povo superior, o povo alemão. A raça ariana tinha que prevalecer por ser a raça mais forte e, os que sobrevivessem à educação poderiam vir a ser reintegrados na sociedade onde poderiam sobreviver enquanto escravos. Daqui vem a frase “O trabalho educa” e surge como mote de justificação dos campos de concentração. Contudo, sabemos nós, que mais não havia do que restos de vida e indícios de morte. Morreram seis milhões de judeus e, ao todo, cerca de onze milhões de pessoas nos campos quer de concentração quer de morte[3]. Um dos muitos requintes de malvadez era a receção dos novos prisioneiros que era feita com uma banda a tocar. Todos os músicos desta banda eram judeus, a maior parte músicos de renome da altura. Os músicos tinham que tocar todos os dias, independentemente do clima, na contagem dos prisioneiros e tinham que ensaiar cerca de 10 a 12 horas por dia, quase sem comer e sem poderem dormir. No entanto, ao pé de todos os outros, eram privilegiados e dos sobreviventes de maior duração. Os compositores preferidos do regime eram Wagner e Beethoven entre todos os outros alemães da história da música alemã conservadora.

Auschwitz

Conhecido como um dos mais duros campos de concentração, tem uma particularidade a nível musical – uma orquestra feminina. Tinha certa de cinquenta instrumentistas entre os 17 e os vinte e poucos anos de idade, sob a regência de Alma Rosé e de outras dez senhoras que copiavam as peças à mão[4].
Além da ideia apaziguadora de que já falámos, Auschwitz contava com a presença de Josef Mengele, o médico apelidado de “Anjo da morte” que era extremamente musical e fazia questão de ouvir música sempre que lhe apetecesse. Também Eichmann, um dos mais mortíferos oficiais nazis é conhecido por gostar de ser acompanhado de música (ao vivo) enquanto fazia as suas revistas e castigava os prevaricadores[5].

Theresienstadt

A 60 quilómetros de Praga, este era um campo de concentração que, na maioria dos casos, marcava a passagem dos prisioneiros para Auschwitz. Ao início, qualquer trabalho artístico aí realizado era punido com a morte. Contudo, os nazis rapidamente perceberam que podiam usar a música como forma de escapar à opinião pública que, a certa altura, começou a desconfiar das boas intenções nazis. Foi então que levou a Cruz Vermelha a este mesmo campo de concentração. Construindo fachadas das casas (todas elas falsas) e aparentando que havia ali comércio e uma vida normal, apresentou-lhes uma ópera infantil, Brundibar, escrita por Hanns Krasa. Esta obra ainda foi executada 55 vezes naquele campo que era, afinal, um dos “melhores” campos, conhecido pelo campo de concentração artístico.
http://www.youtube.com/watch?v=nXvFKAtTa_k&feature=related (Nota: devemos notar que o rapazinho de bigode é uma representação de Hitler que, simbolicamente, tira um doce a uma criança).
Também o compositor Viktor Ulkmann produziu no campo de concentração muitas das suas obras e o jovem pianista Gideon Klein completou o seu Trio de cordas nove dias antes de ser deportado para Auschwitz.
Em 1944, já perto do fim da guerra, todos os artistas foram deportados para Auschwitz onde acabaram, na sua maioria, por falecer.

Trabalho de Margarida Riso



[1] O que aconteceu, alias, à maioria dos alemães que, ao verem a “Pátria a ressurgir” depois de tantos anos de miséria acabaram por acreditar cegamente na retórica hitleriana.
[2] Este ódio advém do facto da República de Weimar se ter baseado num modelo parlamentarista e democrático. Hitler acreditava que o poder não poderia ser para todos e que não faria qualquer sentido a existência de uma democracia onde conta a opinião de todos.
[3] Os campos de morte são criados em 1942 com o objetivo único de exterminar a maior quantidade de judeus possível. Contrariamente aos campos de concentração em que acabavam por morrer pelo trabalho forçado e pelas inúmeras torturas a que eram submetidos, nos campos de morte era liquidados centenas (chegaram a ser milhares por dia) nas câmaras de gás.
[4] Para ver a entrevista com as instrumentistas sobreviventes: http://www.youtube.com/watch?v=5jl470oGftU
[5] Note-se que num campo de concentração até falar era prevaricar. A vida ideal para um prisioneiro era levantar-se, trabalhar e andar calado todo o dia, quase sem comer e, até, sem poder fazer as necessidades fisiológicas sem autorização.